a jornada da heroina
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A Jornada da Heroína de Maureen Murdock

A Jornada da Heroína é uma alternativa ao paradigma narrativo da Jornada do Herói de Joseph Campbell. Sua criadora, Maureen Murdock que fora aluna de Campbell, acreditava que para personagens femininos o modelo do seu professor não abordava com clareza a jornada delas dentro do enredo.

Toda a criação deste modelo é baseado na experiência da autora em seu trabalho com mulheres em terapia. Todavia, fora uma pena que quando mostrou suas ideias para Campbell em 1983, ele tenha sido indiferente ao responder.

“As mulheres não precisam fazer a jornada. Em toda a jornada mitológica, a mulher está presente. Tudo o que ela precisa fazer é perceber que ela é o lugar para o qual as pessoas estão tentando chegar.”

Não é de surpreender que Campbell observasse seu trabalho com muito orgulho, até mesmo prepotência. Numa sociedade patriarcal onde os homens desprezam qualidades tradicionalmente associadas ao feminino, a mínima reconsideração de Murdock o levaria a apoiar estes valores. No entanto, parece que Campbell não estava interessado em “macular” seu trabalho e muito menos observar que os mitos que ele tanto estudava, envolviam apenas figuras masculinas.

De toda forma, Murdock estava convicta que as mulheres possuem suas próprias jornadas e buscas espirituais, das quais a ajudaram a construir seu arco de personagem. Em suma, nada melhor do que ler da própria o que significa a construção deste modelo.

“Tudo é possível para as mulheres quando encontramos nossa voz, honramos nossa identidade, batalhamos juntas por um objetivo comum e permanecemos de braços abertos aos céus, como a antiga deusa mãe, numa postura de orgulho e reconhecimento da sacralidade do feminino.” – Maureen Murdock

Agora, vamos nos aprofundar um pouco mais na visão da autora sobre a Jornada da Heroína.

Etapas da Jornada da Heroína

O modelo de Murdock, descrito em A jornada da heroína: A busca da mulher para se reconectar com o feminino, é dividido em dez etapas.

  1. SEPARAÇÃO DO FEMININO. A heroína deixa para trás o abrigo protetor da mãe arquetípica. Algumas atacam em busca de sucesso e um senso de identidade. Outras fogem das associações negativas do comportamento feminino, querendo ser levados a sério e não sexualizados de forma irrealista.
  2. IDENTIFICAÇÃO COM O MASCULINO. Para florescer em um mundo orientado para os homens, as mulheres bem-sucedidas geralmente imitam o comportamento masculino abandonando a esfera doméstica, suprimindo as demonstrações emocionais e adotando traços masculinos.
  3. O CAMINHO DE PROVAS.  A heroína enfrenta desafios e obstáculos para seus objetivos. Ela sobrevive a provações, ganha ou aprende habilidades. Ela deve equilibrar sua vida e provar seu valor para aqueles que pensam que ela não é digna de sucesso pelos padrões masculinos.
  4. A DÁDIVA ILUSÓRIO DO SUCESSO.  Tendo superado suas provações, a heroína alcança certa medida de sucesso, um poderoso título, posição ou riqueza. Ela é uma supermulher que tem tudo. A síndrome do impostor ainda se insinua, e ela se pergunta quando sentirá que realmente teve sucesso.
  5. MULHERES FORTES PODEM DIZER NÃO. Apesar de seus sucessos, a heroína se sente vazia. Ela sente que deve haver mais na vida. Ela pode se sentir traída pelo sistema ou por seus aliados. Ela ouve sua voz interior depois de anos ignorando-a.
  6. INICIAÇÃO E DESCIDA PARA A DEUSA. A heroína experimenta a noite escura de sua alma. Ela às vezes se afasta de amigos e familiares. Ela não vê mais sentido em lutar pelo sucesso em seus termos anteriores. A heroína deve enfrentar sua Sombra, um arquétipo que, simplesmente, representa as coisas dentro de si que a impedem do que ela realmente precisa. Ela aprende a ser , não a fazer. A Mulher Sábia é um arquétipo forte por si só, a face escura da Deusa representando perigo e sabedoria.
  7. ANSEIO URGENTE DE RECONEXÃO COM O FEMININO.  Tendo rejeitado a busca pelo sucesso externo, a heroína pode encerrar associações com pessoas ou instituições que comprometem seu recém-despertado crescimento espiritual. Ela se volta para trabalhos criativos e atividades que permitem conexões mente-espírito-corpo. Ela começa a se purificar para o próximo estágio.
  8. CURANDO A RUPTURA MÃE/FILHA.  A heroína se reconecta com suas raízes e encontra forças do passado. Ela emerge da escuridão com um senso mais profundo de si mesma. Ela é capaz de prover aos outros e ser provida por eles. Ela recupera traços femininos que antes via como fracos.
  9. ENCONTRAR O HOMEM INTERIOR COM CORAÇÃO. Tendo reorientado seu conceito de feminilidade, a heroína deve abandonar as percepções tóxicas da masculinidade. Se ela rejeitou suas buscas anteriores no mundo masculino, ela busca o que ainda é significativo para ela. Ela deixa de lado conceitos irrealistas dos homens.
  10.  ALÉM DA DUALIDADE. Nossa heroína completou o círculo. Os aspectos masculino e feminino da personalidade são integrados em uma união de ego e de si mesma. Ela é inteira e capaz de amor genuíno pelos outros. Ela se lembra de sua verdadeira natureza.

Abaixo está a jornada apresentada em forma de gráfico.

a jornada da heroina por maureen murdock
Arco Jornada da Heroína de Maureen Murdock, retirado do próprio livro

Mulan usa A Jornada da Heroína?

Este filme é um excelente exemplo sobre a história de uma filha única, Mulan, que toma o lugar do seu pai enfermo na tentativa de salvar a honra da família. Nossa heroína é capaz de evitar a invasão Hun e salvar a China, que pode muito parecer ser uma jornada de herói, mas tem elementos claramente da jornada da heroína.

O enredo é uma grande história que exemplifica e conecta o que você acabou de aprender neste artigo. Através dos aspectos que são mostrados, os conflitos que surgem, nossa heroína consegue embarcar em uma jornada ocupando espaço permitido apenas aos homens, mas sem abnegar sua feminilidade e se empoderando em frente ao machismo do seu país. Ou seja, ela não se torna homem, ela aceita sua personalidade(dando um vá pastar ao patriarcado) e agarra com mãos fortes seus desejos e sonhos, não permitindo que ninguém mais a deixe de ser a mulher que ela quer ser.

Considerações finais

A jornada da heroína torna a mulher, (que não deve se prender apenas ao sexo biológico, mas sim expandindo ao gênero, identidade e expressão) uma guerreira espiritual, exigindo o aprendizado do equilíbrio e quebra de paradigmas da sua sociedade.

Ela, a personagem, primeiro tem desejo de perder seu lado feminino e fundir-se ao masculino e, uma vez que tenha conseguido, começa a descobrir que essa não é a resposta ao seus problemas/desejos. Por sua vez, não vai descartar e nem desistir dos seus aprendizados e habilidades ganhas com tanta dificuldade, mas vai aceitar como parte integra da sua jornada. Em suma, seu foco é na integração e consciência da própria independência de preservar a saúde e o equilíbrio de nós como próprios protagonistas de nossas vidas.


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Bibliografia

Campbell, J. (1949). The hero with a thousand faces. Princeton, NJ: Princeton UP.
Murdock, M. (1998). The heroine’s journey workbook. Boston: Shambhala Pub.
Murdock, M. (1990). The heroine’s journey: Woman’s quest for wholeness. Boston: Shambhala Pub.

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