kishotenketsu uma jornada para uma estrutura narrativa unica
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Kishōtenketsu: uma jornada para uma estrutura narrativa única

Você já ouviu falar sobre a estrutura de enredo Kishōtenketsu? No meu site, já abordei diversas estruturas narrativas alternativas aos modelos clássicos. No entanto, todas essas variações ainda se concentram numa visão ocidental de contar histórias. Isso exclui um modelo narrativo muito importante no Extremo Oriente, conhecido no Japão como Kishōtenketsu.

Sem saber, já estava familiarizado com essa estrutura, pois assisto filmes da China, Coreia e Japão há muito tempo. Então, na minha ignorância, acabei descobrindo essa estrutura narrativa que me fez ter outros olhos para as histórias que eu tanto amo.

Neste artigo, vou te ajudar a compreender alguns exemplos de Kishōtenketsu em filmes que amo e me ajudaram a entender melhor suas nuances e sutilezas.

O que é o Kishōtenketsu

Kishōtenketsu é um modelo narrativo japonês em quatro atos, onde, ao contrário do modelo clássico ocidental, o conflito não é necessariamente o motor de progressão dramático.

Isso não significa que essas histórias sejam desprovidas de conflito e drama. Significa apenas que elas permitem abordagens mais introspectivas e focadas na evolução interior e nas relações interpessoais dos personagens.

Este modelo dá especial ênfase aos eventos do terceiro ato, caracterizados por um elemento de surpresa.

O modelo Kishōtenketsu é explicado pela própria palavra, que compõe os quatro atos:

  • Ki: Introdução
  • Sho: Desenvolvimento
  • Ten: Surpresa
  • Ketsu: Conclusão/Reconciliação

É o terceiro ato, Ten, que marca a diferença e especificidade desta forma narrativa.

As origens do Kishōtenketsu

Originário da China, onde é conhecido como Qi Cheng Zhuan Jie. Inicialmente, não era usado na ficção, mas na poesia e no discurso argumentativo. A estrutura em quatro atos é tão prevalente em várias áreas culturais, que é considerada um elemento chave do pensamento chinês.

Na Coreia, o modelo é conhecido como Gi Seung Jeon Gyeol. No Japão, com o nome Kishōtenketsu, se popularizou na ficção, especialmente através dos mangas e K-dramas, ganhando atenção no Ocidente.

Como funcionam os 4 atos do Kishōtenketsu?

Há pequenas diferenças na forma como os quatro estágios são entendidos em cada país, mas o essencial da estrutura é comum a todos.

Ki

No primeiro ato, Ki, são apresentados os principais elementos da narrativa. Conhecemos os personagens, suas relações, o mundo da história e percebemos os dilemas e problemas que podem ser explícitos ou subjacentes. Não é necessário um incidente incitante imediato ou uma questão dramática central, comuns no modelo clássico. O conflito não é o principal motor dramático; muitas vezes, há apenas uma exploração íntima das personalidades e situações de vida dos mesmos.

Corresponde a 12,5% da sua narrativa.

Sho

No segundo ato, Sho, aprofundamos as características do universo narrativo estabelecido no primeiro. Podem ser introduzidos novos personagens e situações, novos problemas e tramas narrativas, mas essencialmente trata-se do alargamento e aprofundamento do que foi apresentado no primeiro ato. O conflito pode estar presente, mas não é necessariamente o motor da narrativa.

Corresponde a 50% da sua narrativa.

Ten

O terceiro ato, Ten, a Surpresa, Twist ou Ponto de Virada, é o que caracteriza e diferencia a narrativa Kishōtenketsu. Corresponde à apresentação de um elemento inesperado que pode surgir no universo narrativo ou ser completamente estranho a ele. Muitas vezes, isso envolve a introdução de novos personagens, uma nova trama ou uma mudança de cenário. Este elemento de surpresa é essencial para a apreciação da história e influencia seu desenrolar.

Corresponde a 25% da sua narrativa.

Ketsu

No quarto ato, Ketsu, vemos como os elementos dos primeiros atos são transformados pelo elemento de surpresa do terceiro ato. A reconciliação dos diversos elementos é uma característica do pensamento oriental, e desempenha um papel importante nas narrativas dessa região. A conclusão da história é harmoniosa e coerente, embora não necessariamente positiva ou “feliz”.

Corresponde a 12,5% da sua narrativa.

Exemplos de filmes que usam o Kishōtenketsu

Parasita (2019)

O filme Parasita, dirigido por Bong Joon-ho, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e o Oscar de Melhor Filme. Sua estrutura pode ser vista através do modelo Kishōtenketsu:

  • Ki: Uma família pobre entra em contato com uma família rica.
  • Sho: A família pobre começa a explorar a família rica com esquemas e vigarices.
  • Ten: A família pobre descobre outra família ainda mais pobre vivendo secretamente na casa da família rica.
  • Ketsu: As tensões culminam num clímax sangrento durante uma festa de aniversário.

A Viagem de Chihiro (2001)

O filme de animação A Viagem de Chihiro, do Estúdio Ghibli, é outro exemplo:

  • Ki: Uma menina entra no mundo dos espíritos após seus pais serem transformados em porcos.
  • Sho: Para salvar seus pais, ela trabalha numa casa de banhos para deuses, encontrando aliados e cruzando-se com um espírito estranho.
  • Ten: O aliado da menina se transforma em um dragão e o espírito Sem Face entra em frenesi.
  • Ketsu: A menina salva seu amigo dragão e seus pais, retornando ao mundo normal.

Dias Perfeitos (2023)

O filme Dias Perfeitos, dirigido por Wim Wenders:

  • Ki: Hirayama trabalha como limpador de banheiros em Tóquio.
  • Sho: Ele parece satisfeito com sua vida simples. Segue um dia a dia estruturado e dedica seu tempo livre à paixão pela música e pelos livros. Hirayama também gosta de árvores e as fotografa.
  • Ten: Um dia recebe a visita inesperada da sua sobrinha e compartilha com ela seu estilo de vida, formando um laço familiar mais forte.
  • Ketsu: Os dias perfeitos acabam quando a irmã, mãe da sobrinha, chega e retira ela de sua vida. Hirayama começa a ver sua vida ruir e diversas reflexões surgem aos espectadores.

Comparação com as estruturas clássicas

Ao ler sobre o kishotenketsu, você notará que o modelo não é compatível com os ocidentais. Penso que o modelo oriental não possui pressa para nos mostrar o ponto de virada, primeiro este modelo apresentar toda a ambientação e fazer nos apaixonar pelos personagens.

Em suma, o Kishōtenketsu é mais uma ferramenta na nossa caixa de estruturas narrativas, como o modelo clássico de 3 atos, a Jornada do Herói, o Story Circle e outras abordagens. Todas são úteis, mas nenhuma substitui a capacidade de contar uma boa história. Afinal, você pode seguir todos os modelos a risca, mas a criatividade está em suas mãos.


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