o tropeço
Crônicas

O tropeço

Prometi a mim mesmo que seria cuidadoso. Parei em frente à praça após comprar água boricada e um kit de band-aids, enquanto meu companheiro estava ao meu lado, observando-me tratar a ferida da forma mais minuciosa possível.

Havia caído, ou melhor, deslizado sobre aquele amontoado úmido de folhas e flores mortas que estava estagnado ali há tanto tempo. O vermelho das pétalas se misturava com o vermelho do sangue do meu joelho, que, em uma inútil tentativa de me fazer parar de deslizar, protegeu de alguma forma para que eu caísse levemente e não de cara no chão, ou até mesmo de costas.

Era um dia decisivo para mim, pois estava pensando em mudar de casa e acabara de conhecer um apartamento, ou apertamento, ao constatar o tamanho ridículo das sacadas que mal me comportavam.

Saí feliz, despreocupado, louco para conhecer o bairro, mas não me atentei ao tapete de planta morta que era a calçada de uma escolinha infantil. Nesse momento, refletia sobre o que acontecia e sabia que tinha ido com o pior tênis, totalmente cego, e que, se bobear, daria com a cara no chão novamente.

Fiquei ali aplicando a água boricada, vendo a espuma vermelha do sangue se formar, limpava com cotonete, porque não achei algodão. Foi uma limpeza minuciosa, mas acabou dando certo, o joelho ficou o mais limpo que consegui.

Porém, quando limpei, jurei que vi um pedaço de madeira encravado na pele, ou sujeira, o que seria bem pior. Provavelmente perderia a perna se desse mais azar, mas consegui ir para casa, tomar banho e então limpei dia a dia até que começou a melhorar.

Já melhor e sem tanta dor ao andar, já estava bem para sair e curtir sem medo, mas, num dia especial, a Avenida Paulista toda estava em protesto, e eu combinei de encontrar meu companheiro no shopping, a poucas quadras do meu trabalho. Diversos sindicatos estavam por lá, e já me deu um estalo que eu não conseguiria chegar indo de metrô, e de fato, já na minha cabeça, a fila era imensa.

O metrô estava lotado, então eu teria que ir andando, e nada de mais teria nisso, já que eram poucos minutos até o Shopping Cidade de São Paulo.

Então, simplesmente tropecei, fui ao chão fazendo um barulho alto, porque caí praticamente de cara. O bom e velho joelho me protegeu? Ou deveria! Ao ouvir o impacto e senti alguns arranhões na mão e braço, mas fora o joelho, o maior prejudicado, sangrando de novo, no mesmo lugar, inchado, e agora eu estava a algumas quadras do destino.

Não sei se foi uma bênção a Paulista toda estar lotada, talvez eu pudesse ter passado despercebido, talvez a moça que tentou me ajudar lembre do meu rosto. Na verdade, não me importo mais!

Prometo a mim mesmo ser cuidadoso, e espero não falar de novo e acabar caindo como um tonto. Até agora, estou há algumas boas semanas sem cair. Talvez não seja bom comemorar antes da hora?

Raphael T. A. Santos é apaixonado por SciFY e literatura, tendo estado presente nas primeiras edições das antologias do Grupo Editorial Andross, com 6 contos, possuindo também uma publicação na antologia Rupturas, produzido no âmbito do Curso de Introdução à Escrita Criativa, coordenado pelo autor Tiago Novaes e, de forma independente, o conto de terror cósmico, Umidade, e atualmente escreve suas crônicas, tópicos de escrita criativa, carreira literária e marketing no site Escrita Selvagem. Publicou o seu primeiro livro de romance, Mãe de Sal, em 2021. Frágil como Origami é o seu segundo livro.

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