Resenha | Admirável Mundo Verde de Filipa Fonseca Silva

Admirável Mundo Verde, de Filipa Fonseca Silva, nos transporta para um universo futuro intimamente ligado à nossa realidade contemporânea, colocando em pauta a urgente questão: “Vale tudo para travar a crise ambiental?” A autora constrói um cenário que reflete nossas ansiedades e frustrações sobre a deterioração ambiental, provocando reflexões profundas sobre até onde estamos dispostos a ir para salvar nosso planeta.

Sinopse

Num futuro não muito distante, um grupo de ativistas pelo clima radicaliza-se e decide derrubar o sistema. Dotado de uma eficaz máquina de propaganda, que lhe garante o apoio popular, consegue chegar ao poder e impor uma sociedade totalmente verde. Mas a que preço?

Depois do sucesso de “E Se Eu Morrer Amanhã?” e de “O Elevador”, nomeados para melhor livro do ano e em adaptação para filme, Filipa traz-nos um romance distópico electrizante, que levanta questões incontornáveis, como a emergência climática e a polarização de uma sociedade à deriva.

Minha opinião sincera sobre o livro com spoilers

Filipa explora habilmente a dualidade entre a impotência e a determinação que muitos de nós sentimos diante das mudanças climáticas. Queremos desesperadamente ver o mundo melhorar, mas muitas vezes nos sentimos paralisados pela magnitude do problema. A obra levanta questões sobre o perigo de líderes carismáticos e figuras idolatradas, ressaltando a tentação de seguir cegamente vozes nacionalistas em tempos de crise.

No entanto, um aspecto que me desagrada na narrativa é a impressão de polarização que ela transmite. Ao criticar o capitalismo voraz e seu papel na destruição ambiental e social, a autora parece sugerir uma equivalência moral entre extremos políticos. Embora a extrema-direita seja claramente identificada como uma força destrutiva, a representação de uma esquerda radical também é notável. Isso me leva a refletir sobre a ausência de uma esquerda verdadeiramente extremista no cenário atual. A extrema-direita, com sua ideologia agressiva e políticas retrógradas, é, sem dúvida, um dos principais parceiros na destruição do meio ambiente e na perpetuação de injustiças sociais.

A leitura de “Admirável Mundo Verde” nos lembra que, mesmo se superarmos a crise ecológica, outras lutas – contra o machismo (afinal, o vilão é um grande esquerdo-macho), preconceitos, ideologias religiosas opressivas e racismo – continuarão a nos desafiar. O livro sugere que derrotar uma única forma de opressão não é suficiente; é necessário um compromisso abrangente com a justiça social para alcançar um futuro verdadeiramente equitativo.

Minha principal crítica ao livro é a percepção de que Filipa parece endossar a narrativa de que a esquerda é invariavelmente radical e ineficaz. Este ponto de vista pode limitar a profundidade da análise crítica que o livro poderia oferecer. Em tempos onde o diálogo muitas vezes falha em produzir mudanças tangíveis, é crucial que a literatura não apenas reflita sobre os problemas, mas também inspire ações concretas para a transformação social.

Nota: infelizmente ainda não publicado no Brasil na data deste artigo, mas teremos fé que essa obra chegue logo mais.

Em conversa com a autora, explicou um pouco mais da sua visão para a criação do enredo, “A luta climática, como a luta pelos direitos das mulheres, raciais ou outros têm de ser apartidária. Uma luta de todos para todos. Sem polarização e sobretudo sem partidarismo. É essa a principal mensagem do livro”. De qualquer forma, espero que, como sociedade, ainda possamos manter a comunicação e o diálogo para encontrar soluções concretas. Com o crescimento da extrema-direita, torna-se cada vez mais difícil chegar a um acordo, e no fim, todos sofremos se permitirmos que a necropolítica prevaleça. Talvez não precismos de Brigadas Verdes, mas quem sabe, Vozes Verdes?

Conclusão:

“Admirável Mundo Verde” é uma obra que, apesar de suas falhas, oferece uma importante contribuição ao debate sobre nossa responsabilidade ambiental e social. Esperava uma abordagem mais crítica e menos polarizadora, mas reconheço o valor de levantar questões que nos forcem a refletir e, idealmente, agir. Em suma, é um livro provocador que merece ser lido e discutido, especialmente por aqueles comprometidos com a busca por um mundo mais justo e sustentável.

Nota:

4/5 | 🌟🌟🌟🌟