verao fugaz
Crônicas

Verão fugaz

Já era o início do novo milênio, um ou dois anos após as pessoas ficarem assustadas com o fim do mundo, mas os anos e meses passaram, e voltamos às nossas rotinas. Na época, eu era um pré-adolescente tímido e cheio de manias. Naquele tempo, não imaginava o que era ter amigos, já que, para mim, sempre foram escassas as pessoas que podia chamar assim.

Todo verão, me despedia nas últimas aulas dos colegas, aqueles que mais se pareciam com amigos, vinham até em casa, chamavam para aniversários e sempre estavam ao meu lado. Nessas férias, eu me afastava, não por querer, mas eles iam viajar, passar o final de ano na praia e afins. Para mim, a praia só se iniciava após as festividades; precisávamos passar o Natal e o Ano Novo com meus avôs maternos, já que os paternos já haviam falecido. Após honrar os compromissos, nós nos dávamos a oportunidade de ir tirar férias.

Minha mãe comprou com muito custo um apartamento que acabou levando anos para pagar. A poucas quadras da praia, onde a vista do mar era linda, mas com o passar dos anos, os prédios de frente ao mar foram tomando seu esplendor. Um local bonito, confortável, mas quente devido à umidade e mormaço que pareciam grudar na pele.

Amigos dela tinham casas ou apartamentos pela área, na Praia Grande, região do Forte. Na lateral do prédio existe um caminho asfaltado para pedestres que desce até a rua de trás, de lá passando por uma praça lembro de cair em uma rua onde brinquei com outros garotos, alguns desses filhos de algum amigo da minha mãe que nunca ouvira falar.

O grupo se conhecia, pareciam sempre estar ali naqueles verões e logo acolheram o garoto obeso e tímido, que estava parado observando-os na rua. Me deram um pedaço de madeira, pediram que ficasse numa posição e o jogo começou. Não fazia ideia do que acontecia, mas quis participar. A bola veio em minha direção, de longe ouvi os garotos gritando. Chuta! Logo tratei de chutar bem alto, e ela foi longe, gerando muitas gargalhadas. Não pela minha proeza com o chute, mas porque perceberam que eu nunca havia jogado taco.

A noite voltei e fiquei com eles até ouvir histórias de fantasmas e da bruxa, uma suposta senhora idosa, que vivia ali perto num casarão e tinha um quadro de santo posto na entrada que se mexia quando se olhava muito. O dia estava divertido e mais a noite nossos pais nos liberaram para continuar a brincadeira. Um jeito de se livrarem dos filhos e descansarem também.

Ficamos sozinhos na casa de um deles e começamos a brincar de pergunta e desafio. Como não os conhecia, não sabia o que poderia perguntar. Logo ouvi histórias e nomes que não me eram familiares. Quando minha vez chegou, escolhi de imediato desafio e me pediram para fazer algo ousado. Não soube de onde veio a ideia, mas tinha um pilar de madeira na casa do garoto. Coloquei minhas mãos nele e fingi um movimento de pole dance. As risadas foram tantas que concluíram o desafio como perfeito. Eu não percebia, mas eu era um gordinho engraçado na época.

Na hora de ir embora, lembro de esbarrar em uma das irmãs de um deles, mas logo pedi desculpas e ela parecia bem. No entanto, quando estava na rua, um dos garotos veio me avisar que o irmão queria vir me bater, e era para eu ir para casa. Prontamente avisei o que acontecia, e não fazia sentido aquilo. Corri para casa, para meus pais, contando o que acontecera porque lá eu não os conhecia. Minha mãe tratou disso e explicou a situação, mas naquele verão não fiquei à vontade de descer a rua.

Lembro que no próximo verão, poucos deles voltaram, sendo divertido ainda brincar novamente, mas acabávamos ficando por lá conversando e depois íamos fazer outras coisas, como andar pela rua sem destino. Conversavam do muro dos militares e diziam que quem atravessa poderia acabar sendo preso ou morto. Foi um segundo verão, mas sem nada de especial.

No ano seguinte, não

vi mais os garotos; nenhum deles morava ou estava lá. Me senti um pouco triste; era como se soubesse que os amigos que fiz tinham debandado. Voltei para o apartamento e fiquei lá com meus quadrinhos e vídeo game. Aquela pessoa, sim, era eu, enfurnado em casa com minhas coisas, sozinho e sem esperar nada além do pedido da minha mãe para ir comer. Aquela pessoa com amigos? Não, não era para mim.

Um dia encontrei um deles no mar; logo veio falar comigo, mas não o reconhecia, no entanto, se lembrava do meu nome. Me contou que todos não voltavam mais, estavam com namoradas e passavam as férias com elas; uma das meninas ficara grávida, e a irmã parecia quase a copiar a mais velha. Eram histórias que entendia, mas eram distantes para mim. Logo, a infância daqueles garotos parecia dar lugar pouco a pouco à vida adulta. Eu estava bem longe de tudo isso; aliás, sempre soube que eles eram mais velhos; eu deveria ter treze anos na época, eles estavam esbarrando nos dezesseis.

Em outros verões, minha mãe conseguia que os filhos e filhas de amigos fossem passar as férias conosco, uma tentativa clara de me fazer ter amigos ou encontrar uma namorada. Mas eles eram sempre estranhos e tinham atitudes que eu não gostava. Um tempo depois, então, começamos a parar de ir, e minha mãe ficou doente; o apartamento ficou esquecido, e a dívida cresceu.

O apartamento ficou distante, e as memórias daqueles verões ficaram, pedaços da minha vida que não condiziam com minha realidade. Naquela época, já sabia que minha infância seria atípica e que nunca poderia me comparar às histórias de grandes amizades que vemos em filmes.

Voltei para um último verão, não para descansar, mas para resolver questões. Aquele apartamento foi vendido numa proposta de pagar as dívidas, causada por uma pessoa que parecia confiável e só piorou a situação ao alugar, muitos anos após eles falecerem. Minha última estadia lá me lembrou dos lugares em que passei, do que ainda se manteve o mesmo e daquilo que mudou. As memórias da infância que pareciam apenas conviver naquele espaço. Um local fantasma. Todos que estiveram comigo ali, ou estavam mortos, ou eu nunca mais veria. Até hoje não esqueço do lugar onde dormi, da sacada onde apliquei um boneco em massinha branca de vedação, do cheiro de sal, da comida posta à mesa, daqueles meninos que foram meus amigos no verão e de tudo que eu não viveria mais lá.

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