
Os Livros que se Vendem Sozinhos
Era uma vez uma carta elegante. Um e-mail que começava com “parabéns” e terminava com um vídeo no YouTube. O tipo de e-mail que, se fosse um prato, viria decorado com flores comestíveis e um fio de azeite trufado — para disfarçar o gosto do que realmente estava sendo servido.
Diziam ter lido o meu livro. Diziam que a obra possuía “qualidade, criatividade e os valores que buscamos”. Uma ode ao entusiasmo genérico. Mas em nenhum momento disseram o que, exatamente, tinham lido. Nenhuma frase citada, nenhum trecho comentado. Apenas uma aprovação automática, embalada com o selo: confiança na sua obra (desde que ela se venda sozinha, claro).
A proposta era linda. Capa personalizada, leitura crítica, revisão ortográfica, material de divulgação. Tudo com rigor técnico e artístico. Mas o detalhe vinha depois da vírgula: desde que você venda XX exemplares em XX dias. Ou pague por eles.
Ah, sim. Porque embora o e-mail reforçasse que “não há investimento financeiro por parte do autor”, o parágrafo seguinte informava que, caso a meta não fosse atingida, eu deveria comprar os livros restantes. Um não-custo com a cara bem conhecida de um boleto futuro.
Disseram que a venda seria feita pela empresa. Que eles investiriam na divulgação. Mas, curiosamente, quando autores que já publicaram por lá me escreveram, disseram outra coisa. Contaram que a divulgação era quase toda por conta deles. E como sou do tipo que acredita mais em dados do que em promessas, fui olhar na internet, os dados são como confessionários: dizem a verdade sem emoção. O que vi? Uma presença digital anêmica, sem rastros de divulgação real, como um barco decorado que nunca saiu do cais.
Ainda assim, tentei. Propus ajustes. Sugeri uma conversa franca. Enviei mensagens com cordialidade de quem ainda acredita em parcerias. Fui ignorado. Cobrar? Disseram que rompi o diálogo. Mas vamos combinar: ele já havia morrido antes, vítima de respostas curtas, atrasos sem justificativa e um silêncio que gritava “você não é prioridade”.
Me peguei pensando: que amor é esse pelo livro que só resiste se ele virar meta de vendas? Que admiração é essa pela obra que some quando o autor pede um ajuste de datas? Parece que, na verdade, o que se busca não é um autor com voz, mas um vendedor com fôlego.
Não culpo a empresa. Ela faz o que sabe. O que me incomoda é o verniz. O teatro da valorização literária, enquanto o script real é “nos ajude a não perder dinheiro — ou pague a diferença”. Uma relação onde o afeto pela obra termina no ponto em que ela deixa de ser financeiramente viável.
Mas tudo bem. Livros não se vingam, eles seguem. E autores também.
No fim, aprendi que nem toda proposta é um elogio. Às vezes, é só uma fatura disfarçada de aplauso.

