
Do Pensamento Crítico ao Escapismo: A Literatura Brasileira de 2000 a 2025 e o Sinal de Alerta Cultural
Antes de tudo, este artigo é baseado em uma opinião de um profissional de marketing que atua na área de comunicação e também é escritor e redator deste site. Portanto, reservo-me o direito de expressar minhas ideias para que leitores e escritores possam refletir e formar suas próprias opiniões sobre o assunto. Dialogar é importante e a lista dos livros mais vendidos no Brasil tem gerado mais desconforto do que qualquer outro sentimento. Sendo assim, aqui está o meu desabafo.
O Brasil que lia o próprio reflexo (ano 2000)
No início dos anos 2000, o Brasil ainda respirava o impacto cultural do século XX. A literatura refletia um país inquieto, reflexivo, desejoso de se entender. Os livros mais vendidos, segundo levantamento do Datafolha, traziam nomes como João Ubaldo Ribeiro (A Casa dos Budas Ditosos), Drauzio Varella (Estação Carandiru), Eduardo Bueno (A Viagem do Descobrimento) e Nelson Motta (Noites Tropicais). Eram títulos que lidavam diretamente com a identidade brasileira e sua história, com violência, toda sua cultura, claro, seus tabus também.
Não se tratava somente de sucesso comercial. Esses livros eram síntese de um desejo coletivo de análise, crítica, enfrentamento de contradições. Mesmo a ficção mergulhava em questões profundas, seja através da sátira social ou da revisão histórica. Era uma literatura que incomodava, que despertava debates, que educava sem ser didática. Em suma, havia ali um respeito pelo leitor como sujeito pensante.
2025: Livros para rezar, sonhar com riqueza e pintar
Ao observarmos os livros mais vendidos (Publishnews) de 2025, o contraste é gritante. O topo do ranking traz títulos como Do dia para a noite, um livro de colorir para adultos, e Café com Deus Pai, um devocional diário. Não há nenhuma construção de narrativa crítica, nem proposta intelectual; há, sobretudo, alívio e conforto.
O avanço dos livros religiosos, como os devocionais e as publicações ligadas à espiritualidade simplificada, mostra não somente a expansão da fé no campo literário, mas sim o crescimento de um discurso de controle emocional e social. A literatura religiosa dominante atual não questiona nem provoca reflexão: ela acomoda. Torna-se, assim, uma ferramenta de estabilização comportamental, diluindo o senso crítico e reforçando o conformismo.
Nada contra livros cristãos, mas é curioso observar como outras religiões parecem desinteressadas em se transformar em mercados populares. Se, por um lado, algumas crenças promovem o bem comum e o cuidado social, por outro, há aquelas que parecem mais interessadas em se tornar produtos e serviços, sempre pagos, seja via PIX ou em 12 parcelas tentadoras.
Além disso, os livros de autoajuda em 2025 passaram a se moldar ao discurso do sucesso financeiro: coaching, empreendedorismo “de palco”, independência financeira quase mágica. Vende-se o mito da meritocracia como se fosse o roteiro de um grande blockbuster da Marvel. Ah, somos nós os novos Vingadores! Essa literatura alimenta ilusões, com promessas de prosperidade que ignoram a desigualdade estrutural e os riscos reais do mercado. É uma indústria que vende esperança em vez de soluções e que se alimenta do fracasso de seus próprios leitores.
E então, temos os livros de colorir. O que em outros contextos poderia ser uma prática terapêutica pontual, aqui se torna símbolo de uma geração adulta em fuga. Colorir virou best-seller. Não é mais uma distração criativa, mas um produto que lidera o mercado. A pergunta que fica é: como se tornou tão urgente para tantos adultos a regressão à infância? Que tipo de vida moderna está produzindo essa necessidade de evasão estética e simplificação? Alguém pode por favor pedir ao Christian Dunker uma análise profunda desta sitruação?
A literatura como sintoma de uma cultura em recuo
Vivemos um momento curioso em que a literatura e a cultura parecem recuar, como se tivessem perdido o fôlego diante de um futuro que já não inspira. E não estou falando de discursossobre decrescimento, mas da sensação concreta de que a tecnologia chegou a um tipo de platô: temos máquinas cada vez mais rápidas, mas ideias cada vez mais rasas. O progresso prometido se transformou em ruído, distração, automação da superficialidade. A produção cultural, em vez de acompanhar ou tensionar esse avanço, se acomoda. Estamos sufocados por nossa própria indecisão sobre o que significa, afinal, “evoluir”. O resultado é uma cultura que gira em falso — não por falta de recursos, mas por falta de direção.
A virada de 2000 para 2025 mostra mais do que mudanças de gosto: revela uma mudança de consciência coletiva. Saímos de uma literatura que pensava o país para uma que evita o desconforto. Onde havia questionamento, agora há distração. Onde havia desejo de saber, agora há desejo de esquecer.
O crescimento da literatura religiosa e dos livros de autoajuda com promessas financeiras parece apontar para um país cansado, endividado e desiludido, que se refugia ora em Deus, ora no sonho de enriquecer, ora em páginas para colorir. O que poderia ser pluralidade tornou-se repetição. Há espaço para tudo, exceto para o pensamento crítico.
Emburrecimento cultural não é ausência de livros. É a presença de muitos livros que não dizem nada.
Conclusão: O alerta está nas prateleiras
Essa comparação entre os anos 2000 e 2025 deveria servir de alerta. A cultura de massa brasileira, ao migrar de uma literatura de enfrentamento para uma literatura de fuga e ilusão, enfraquece seu próprio tecido social. A leitura, que já foi instrumento de entendimento e transformação, corre o risco de se tornar somente uma ferramenta de distração e pior: uma distração que nos custa caro, porque nos afasta da realidade e do pensamento crítico.
O Brasil lê. Mas a pergunta é: o que o Brasil está aprendendo com o que lê?

